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O QUE É IMUNOLOGIA E O QUE O SEU CORAÇÃO TEM A VER COM ISSO

É… ela nasceu “combatendo” infecções e hoje ela está metida até em ataques do coração. O que é a imunologia? Esse campo da medicina e da biologia que tomou tanto espaço na ciência nas últimas décadas e hoje alguns dizem que ela está moribunda, que está em um impasse conceitual, que a escassez de resultados práticos é desproporcional ? imensidão de coisas aprendidas experimentalmente. Mas pode ser que ela ainda seja importante em sua vida, há uma nova revolução médica e científica acontecendo.
Em 1796 o médico britânico Edward Jenner contaminou com o pús da varíola bovina o menino James Philips de oito anos, algo inconcebível hoje em dia. A varíola era uma epidemia que matava centenas de pessoas
todos os anos no império inglês. Quem sobrevivia acabava desfigurado, com lesões de pele terríveis, cegueira. Nem mesmo os nobres da época escapavam, Lady Mary Montagu, esposa do embaixador inglês na Turquia estava entre os que adoeceram e ficaram desfigurados. Durante sua estada na Turquia nos idos de 1715 escrevia cartas ? s suas amigas na Inglaterra contando sobre os métodos exóticos de inoculação que os turcos já usavam contra a varíola, doença que além de a ter desfigurado, havia levado seu irmão.
Dois meses depois, Jenner infecta o mesmo menino com varíola humana, curiosamente nada acontece. Anos mais tarde, Pasteur cria o nome “vacinação”, para esse procedimento preventivo, em homenagem a Jenner(vaccuna significa vaquinha, em latin, daí vaccina). Então surge mesmo a imunologia, junto com muitos termos novos: vacinas, imunização, bactérias, agentes infecciosos, a Teoria dos Germes foi proposta na mesma época, período de grande efervescência do pensamento médico ocidental. Em 1980, a vacinação leva ? erradicação definitiva da varíola, coisa inédita na história da medicina: acabar de vez com uma
doença importante.
A imunologia cresceu exponencialmente e hoje interfere e modifica conceitos em todos os campos, em especial por causa de uma classe de doenças, chamadas autoimunes. A idéia de doenças autoimunes foi proposta na década de 1960, dentro da visão ainda de 1796 de que o sistema imune serve pra defender o corpo de agressões microbianas. Os Linfócitos, principais células do sistema imune, pareciam
envolvidos em várias doenças, mas há uma classe de enfermidades em que linfócitos, em vez de defender o organismo contra agressores externos, agridem os componentes do próprio organismo. Entretanto, esse enfoque, de guerras microscópicas, de agressores externos, atacar o estranho e defender o próprio, acabou gerando muitas contradições.Usualmente, nosso corpo não “ataca” os trilhões de bactérias que habitam as superfíciers de nosso corpo, e também nos livramos de células nossas, que eventualmente saem do caminho normal, quando alguma função se desequilibra. O modelo “defensor do organismo contra
o que é estranho” falhou para explicar várias outras observações. Em especial explicar as doenças autoimunes, que estão se tornando mais freqüentes: uma a cada dez pessoas no mundo desenvolvido tem uma forma de doença autoimune (diabetes tipo 1, doença celíaca, artrite reumatóide, lupus eritematoso sistêmico, alopécia, psoríase…).
Hoje entendemos que elementos do sistema imune participam em atividades fisiológicas, que eles estão atuando o tempo todo. Nessa perspectiva, de que o sistema imune participa “arrumador da casa”, se fortalece uma nova teoria imunológica, na qual o sistema imune é visto como uma rede complexa, que participa da conservação da organização do sistema vivo, zela pelas relações harmoniosas de nosso organismo . O que o sistema imune faz é participar da manutenção do organismo em equilíbrio consigo mesmo e com o meio. Quando esse equilíbrio se rompe, surgem doenças, e em especial, quando os linfócitos atuam de forma desarmônica, surgem doenças autoimunes.
Aqui entram o coração e seus problemas. As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil e no mundo.Muitas dessa mortes dependem da aterosclerose, e os linfócitos estão envolvidos no mecanismo gerador dessa condição, que obstrui as
artérias, impedindo o sangue de irrigar os tecidos. É isso que basicamente acontece quando alguém tem um infarto agudo do miocárdio, ou derrame (acidente vascular encefálico). Antes de entendermos que pode haver um mecanismo autoimune participando dessa doença, todos os tratamentos que podíamos inventar contra a mesma, eram mecânicos, tentar “desentupir”
as artérias, com um dissolvedor de coágulos (os trombolíticos) ou mesmo com uma espécie de desentupidor de canos (os cateteres de angioplastia); ou colocar “STENTS” – umas molinhas que se abrem no
interior dos vasos obstruídos pela aterosclerose. Com a visão imunológica começamos a revestir os “STENTS” com drogas imunosupressoras, venenos para os linfócitos. E isso diminui muito a recaída da aterosclerose e a reincidiencia de infartos. O problema desses STENTS revestidos é que só tratam a doença avançada e são caríssimos.
Com a perspectiva de que a aterosclerose tem um componente autoimune surgem muitas possibilidades de tratamento. A imunologista Ana Maria Caetano Faria, da UFMG, durante o seu trabalho na Universidade de
Harvard, reduziu a aterosclerose de ratos geneticamente predispostos pela administração nasal de uma certa proteína do próprio rato, um recurso para reduzir sua atividade imunológica específica, conhecido como “tolerância imunológica”. Diversos outros grupos obtiveram evidências de que o processo da aterosclerose pode ser controlado e tratado com estratégias imunológicas. Há um novo arsenal em potencial que talvez revolucione o tratamento da aterosclerose.
No Brasil temos ainda uma séria luta pela educação de nossos médicos, muitos continuam acreditando que a aterosclerose é um simples depósito de gordura nas artérias, o que mostra a necessidade dos investimentos
em educação e ciência. A participação da sociedade como um todo no processo de geração, divulgação e aplicação do conhecimento médico é fundamental para a democratização da informação, para a inclusão social, para a construção de um país. Nem o mesmo o pai da imunologia Edward Jenner sabia dessas interrelações quando na mesma época em que inventou a vacinação, ele e seu amigo Caleb Parry descreveram a “angina
pectoris”, uma forma de doença cardiovascular também causada pela aterosclerose – um elo indireto da imunologia com o ataque do coração,há três séculos atrás.

Agradeço ao professor Nelson Vaz pela revisão crítica e modificações.

Pra saber mais
http://www.library.ucla.edu/libraries/biomed/smallpox/index.html

Pordeus V, Shoenfeld. Atherosclerosis and Autoimmunity: promises for a
better cardiovascular future. SBI na Rede 2004, Nº31. Disponível
Online: http://www.sbi.org.br/sbinarede/SBInarede31/index.html

Maron R, Sukhova G, Faria AM, Hoffmann E, Mach F, Libby P, Weiner HL.
Mucosal administration of heat shock protein-65 decreases
atherosclerosis and
inflammation in aortic arch of low-density lipoprotein
receptor-deficient mice.
Circulation. 2002 Sep 24;106(13):1708-15.


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